quinta-feira, 17 de novembro de 2011
4 mitos sobre a dislexia
4 mitos sobre a dislexia
Criança
que troca letras é disléxica, certo? Não. Focar a expressão escrita na
oralidade (escrever como se fala), trocar tipos parecidos foneticamente
(como F e V), juntar palavras e unir letras de forma aparentemente
aleatória são ações absolutamente normais do processo de alfabetização.
Quem sabe como o aluno constrói esse novo conhecimento considera esses
fatos como um avanço em relação a uma etapa anterior, não um erro.
As
pesquisadoras argentinas Emilia Ferreiro e Ana Teberosky descobriram
(há quase 30 anos!) que os estudantes elaboram diferentes hipóteses
sobre o funcionamento do sistema de escrita, como se fossem degraus numa
escada rumo à aprendizagem. Investigações na área de didática são
unânimes em demonstrar que se alfabetizar está longe de ser uma tarefa
simples, num processo complexo em que as idéias dos pequenos nem sempre
coincidem com as dos adultos. “Observar a relação do aluno com a própria
escrita é mais importante do que apontar erros e muito mais efetivo do
que rotulálo como portador de um distúrbio”, afirma Giselle Massi,
especialista em fonoaudiologia e linguagem, em Curitiba. Em vez de
encaminhar para um tratamento de saúde, o importante é compreender que o
percurso é tão importante e desafiador quanto sua conclusão.
Vale
lembrar que saber escrever vai além da aquisição da ortografia correta.
Aspectos textuais, como coerência, utilização e manipulação de
referências e construção lógica de idéias, evidenciam a capacidade de
uso da escrita. Apesar de serem centrais na avaliação do nível de
compreensão que cada criança tem da linguagem, esses elementos muitas
vezes são ignorados. Por exemplo: um aluno que troca letras pode
apresentar outras qualidades em seus textos e, portanto, não deve ser
tachado de doente, sem apelação.
Na
verdade, o desinteresse pela leitura e pela escrita está muitas vezes
associado às próprias dificuldades da alfabetização. A expectativa
equivocada de pais e educadores quanto ao ritmo de aprendizagem e a
simples comparação entre os colegas de classe podem criar estigmas. Essa
mania de colocar rótulos nos estudantes (bons, esforçados, casos
perdidos...) cria o que Giselle Massi chama de aquisição por sentido:
“Ao ser carimbada pelo professor e pelos pais, a criança desenvolve uma
equivocada noção de si e passa a se ver como incapaz de avançar”. Assim,
é natural que perca o interesse pelas atividades ligadas ao que
considera ser a sua fragilidade (leia mais na entrevista abaixo).
Além
de distúrbios físicos (problemas de visão ou audição, por exemplo que
podem interferir nessa dificuldade, pais que não valorizam a leitura ou
têm pouco acesso a livros e jornais inf luenciam diretamente o
desempenho percebido em sala de aula. Não se pode esquecer que no
Brasil, segundo dados do Indicador do Alfabetismo Funcional de 2007, só
28% da população entre 15 e 64 anos é capaz de ler textos longos e fazer
relações e inferências. É por isso que, aqui, acreditar que a dislexia
seja responsável por esse problema é muito grave e não pode justificar
os entraves do atual sistema de Educação.
“Quando
a criança é observada com mais atenção, é possível verificar que a
maior parte dos problemas não é de origem patológica, mas uma junção de
fatores internos e externos à escola que dificultam a aprendizagem”,
afirma Telma Weisz. “Não questiono a existência da dislexia, mas seus
sinais pedem muita atenção num país como o nosso.”
3º mito: O disléxico é mais inteligente e criativo
Essa
é outra afirmação, digamos, um tanto quanto estranha. Alguém acha que é
possível medir a inteligência ou a criatividade de forma objetiva, como
resultado de uma avaliação pragmática? Uma tese amplamente aceita é a
de que, por utilizarem formas singulares de elaboração da linguagem
escrita e de interação com o idioma, as crianças ditas disléxicas
acabariam por desenvolver estratégias mais criativas de comunicação,
interessando-se mais pelas artes e pelos esportes.
O
fato é que cada ser humano é único, cheio de sutilezas e tem uma
intrincada e singular forma de observar e interagir com o mundo. Em
outras palavras, todos os estudantes apresentam afinidade com diferentes
linguagens. Pesquisas do psicólogo norte-americano Howard Gardner
comprovam essa diversidade. Tanto que ele cunhou a expressão
“inteligências múltiplas” (ou seja, não há “uma” inteligência a ser
medida). Testar essas habilidades implica considerar um universo de
possibilidades do conhecimento humano e não apenas a expectativa da
sociedade numa determinada época.
Para
a psicopedagoga Marice Ribenboim, de São Paulo, o rótulo de gênio é tão
nocivo quanto o de incapaz de aprender. “Marcar uma criança como
portadora de um distúrbio é, em qualquer situação, uma forma de
limitação. A Educação não pode se pautar por esse tipo de evidência,
como se fosse um veredicto final sobre as possibilidades de cada um.”
Estudos
recentes conduzidos por Sally Shaywitz, neurologista da Universidade de
Yale, nos Estados Unidos, apontam para uma descoberta neurofisiológica
que seria capaz de justificar a falta de consciência fonológica do
disléxico. Mas, embora as principais instituições de estudo da doença
aceitem atualmente a teoria de uma origem genética, oficialmente a
dislexia ainda é um distúrbio sem causa definida. Sim, oficialmente é
isso.
Pesquisas realizadas no
Brasil e na Inglaterra pelo neurologista Saul Cypel, da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do Instituto de
Neurodesenvolvimento Integral, colocam em xeque a maneira como são
conduzidos esses tipos de teste de diagnóstico e revelam que, de cada
100 alunos encaminhados ao médico com suspeita de dislexia, apenas três
efetivamente têm a doença. Elas demonstram que não há relação direta
entre disfunções no exame eletroencefalográfico e dificuldades de
aprendizagem.
Como os
mecanismos de funcionamento da dislexia ainda são um mistério para a
Medicina, só os sintomas é que conduzem a um diagnóstico – e eles podem
apontar para caminhos equivocados. Quando uma criança mostra
dificuldades de aprendizagem associadas à dislexia, os exames às quais é
submetida têm como intuito principal descobrir se existe outra causa
perceptível para a doença. Se nenhum desvio físico ou psicológico é
encontrado, toma-se a dislexia como uma patologia presente e mede-se,
por meio dos sintomas, seu grau de severidade.
O
tema, como se viu nestas quatro páginas, é bastante controverso e,
obviamente, não se esgota aqui. Não há conclusões totalmente definitivas
sobre a dislexia (suas causas, seus sintomas, sua ligação com a
escola). O que sobra são dúvidas que precisam ser destacadas e
exploradas num debate crítico. Como diz o filósofo francês Edgar Morin
em seu livro Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro: “Será
preciso ensinar princípios de estratégia que permitam enfrentar os
imprevistos e as incertezas na complexidade do mundo contemporâneo. É
preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a
arquipélagos de certeza”.
Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0209/aberto/mt_267788.shtml
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